AS QUESTÕES DE GÊNERO NO
ÂMBITO DO TRABALHO
Qualquer estudo referente ao
trabalho, às questões de gênero e às opressões que se dão com relação a ambos,
tratar-se-á de uma analise muito ampla e, por vezes, extensa, uma vez que, para
que suas “causas e efeitos” sejam plenamente compreendidas, faz-se necessário
uma correlação e investigação meticulosa e primordial com relação ao seu
entendimento no contexto sócio-histórico-cultural. Quando adentramos em tal
campo de pesquisa, deve-se ter em mente que qualquer relação de opressão se dá
num contexto de desigualdade social e entre suas relações entre sociabilidade e
cultura, sendo estes, ao mesmo tempo, objetos e instrumentos de manutenção da
uma conjuntura histórico-social e seus pontos de vista econômicos, políticos e
culturais que incidem na vida cotidiana dos indivíduos e estruturam valores,
modos de pensar, de ser e agir (SANTOS; OLIVEIRA, 2010, pg. 12). De acordo com
as pesquisadoras da UFRN, Silvana M. M. dos Santos e Leidiane Oliveira, tal
concepção só se dá da seguinte forma:
“Para o
entendimento das formas de opressão vivenciadas pelas mulheres, partimos do
pressuposto de que homens e mulheres vivem sob dadas condições objetivas e
subjetivas que são produto das relações sociais. Isso significa que a
construção social das respostas que dão às suas necessidades e vontades tem na
sociabilidade sua determinação central ou, de outra forma, significa também que
os indivíduos fazem a história, mas suas possibilidades de intervenção se
efetivam na dialética relação entre objetividade e subjetividade, entre ser e
consciência. Na sociabilidade do capital [há a] prevalência de indivíduos
despotencializados em sua criatividade, em sua capacidade reflexiva,
reproduzindo práticas que reiteram processos de alienação e de subalternidade.”
(SANTOS; OLIVEIRA, 2010, pg.12)
Neste contexto, há de se levar em
conta as várias dimensões na qual a sociedade está estruturada e,
principalmente, a forma como essas dimensões se entrelaçam, em especial com
relação à composição e a dinâmica da luta de classes e dos grupos sociais ditos
“minoritários”. Pode-se, assim, observar, em cada momento histórico, as
complexas relações entre gênero, raça/etnia e o capitalismo (WOOD, 2003). Com
relação às essas imbricações no contexto dos gêneros, no que diz respeito
essencialmente às mulheres, Saffioti diz que:
“[...] as
classes sociais são, desde sua gênese, um fenômeno gendrado, Por sua vez, uma
série de transformações no ‘gênero’ é introduzida pela emergência das classes.
[...] Não se trata de somar racismo + gênero + classe social, mas de perceber a
realidade compósita e nova que resulta dessa fusão. [...] Não se trata de
variáveis quantitativas, mensuráveis, mas sim de determinações, de qualidades,
que tornam a situação dessas mulheres muito mais complexa.” (SAFFIOTI, 2004, p.
115)
É interessante analisar que, neste
sentido, nossa concepção acerca da divisão do trabalho na história, no que diz
respeito à divisão sexual básica, tribal e primordial, também é, desde nosso
primeiro contato com tais analises/ensinamentos, incessantemente modelada e
reproduzida de acordo com a lógica capitalista atual com relação à divisão
(sexual, biologicamente falando) do trabalho. Ou seja, há estudos que
contrariam a lógica do homem-caçador-chefe de família- chefe da
tribo/mulher-coletora-cuidadora das crianças-tratadora de animais e que são
vigorosamente ignorados ao longo dos anos, mantendo, assim, a lógica da divisão
sexual do trabalho com base na noção biológica/hormonal machista e
preconceituosa, o que endossa, de maneira quase que imperceptível, porém
incisiva, as opressões de gênero vigentes. Com relação a isso, Evelyn Reed diz,
em sua obra “Sexo contra sexo ou classe
contra classe”:
“A primeira
divisão de trabalho entre os sexos é frequentemente descrita de uma forma muito
simplificada e deformada. Diz-se que os homens eram caçadores e guerreiros,
enquanto as mulheres permaneciam no acampamento ou em casa para cuidar dos filhos
e fazer a comida. Tal descrição dá a impressão de que a família desta época era
idêntica à família moderna. Enquanto os homens se ocupavam de todas as
necessidades sociais, as mulheres tratavam somente da cozinha e dos filhos.
Este conceito é realmente uma distorção dos fatos. Com exceção da divisão de
trabalho na busca de alimentos, não existia entre os sexos nenhuma diferença,
nem nas formas mais elevadas de produção, pela simples razão de que toda
atividade industrial da sociedade estava nas mãos das mulheres.” (REED, 2008,
pg, 70-71)
Como exemplo de tais afirmações ela
dá o uso do fogo (conhecimento de suas propriedades e uso do calor) e o advento
da agricultura, suas técnicas e instrumentos (devido à domesticação de
animais). Com isso, podemos constatar como, desde a infância e nos mais
diferentes e inesperáveis locais, como a própria escola, as diretrizes e noções
do que é ser homem ou mulher na sociedade e quais são seus devidos papéis e
obrigações são reproduzidos de maneira natural, ignorando-se o fato de se
tratar, na verdade, da reprodução pura e simples de padrões sociais embasados
numa lógica sexista e, também, capitalista. Sobre isso, Santos e Oliveira
ressaltam que:
“Esta construção
social do que é ser mulher e do que é ser homem se relaciona com o sistema
patriarcal, aqui entendido como um sistema de dominação masculina, com
constituição e fundamentação históricas, em que o homem organiza e dirige,
majoritariamente, a vida social. Com o aumento da desigualdade social e a
intensificação da exploração da classe trabalhadora, aprofunda-se a situação de
dominação-exploração sobre a mulher. Assim, podemos afirmar que o sistema do capital
articula exploração do trabalho com dominação ideológica e se apropria da
lógica e valores do sistema patriarcal. [...] Tomando o patriarcado como
indissociável dos mecanismos de dominação-exploração do sistema capitalista, é,
pois, impossível trabalhar as dimensões de gênero fora deste contexto. As
relações desiguais de gênero se apresentam como objetivação atualizada do
patriarcado, enquanto sistema que domina e oprime as mulheres.” (SILVA;
OLIVEIRA, 2010, pgs. 14-15)
Assim, com base nos levantamentos e
analises feitos, podemos problematizar e, logo, perceber o quanto e até que
ponto o sistema patriarcal e o sistema capitalista atuam em conjunto,
promovendo de maneira contínua e cada vez mais densa a propagação e a
acentuação das opressões no que diz respeito ao gênero e sua condição social
para com diversos setores, desde o público, com relação ao trabalho, até o
privado, com relação à vida pessoal e/ou familiar, promovendo até mesmo um
entrelaçamento entre estes dois âmbitos, uma vez que tal sistema opressivo
atinge à ambos e, até mesmo, simultaneamente, fato facilmente observável quando
levantamos a questão da reprodução feminina no sistema capitalista e a origem
da palavra “proletariado” (que vem de prole, ou seja, a mulher como mera
reprodutora única e exclusivamente voltada e/ou útil para a geração dessa nova
camada de trabalhadores assalariados que alimentarão o sistema capitalista no
que tange às relações de produção), condição questionada por Siqueira e
Ferreira quando dizem que:
“O problema não
é o nosso corpo, nossa biologia, mas o poder em todas as formas pelos quais nos
afeta. Não é a condição biológica que nos oprime, mas um sistema social baseado
na opressão de classe, gênero, etnia/raça e geração, entre tantas outras
formas.” (FERREIRA; SIQUEIRA, 2003, pg. 82)
BIBLIOGRAFIA
- BANHUK, Karina Simone. Assédio moral: o processo de decadência do trabalhador e as consequências jurídicas. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008.
- BRITO, Jussara Cruz de; D’ACRI, Vanda. Referencial de Analise para o Estudo da Relação Trabalho, Mulher e Saúde. Cadernos de Saúde Pública, RJ, pgs. 201-214, Abril/Junho de 1991.
- CARRASCO, Carmen; PETIT, Mercedes. Mulheres trabalhadoras e marxismo: um debate sobre a opressão. Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann. São Paulo, 2012.
- NOGUEIRA, Claudia Mazzei. As relações sociais de gênero no trabalho e na reprodução. AURORA ano IV número 6 – AGOSTO DE 2010
- OLIVEIRA, Leidiane; SANTOS, Silvana Mara de Morais dos. Igualdade nas relações de gênero na sociedade do capital: limites, contradições e avanços. Rev. Katál. Florianópolis v. 13 n. 1 p. 11-19 jan./jun. 2010
- REED, Evelyn. Sexo contra sexo ou classe contra classe. Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann. São Paulo, 2008.
0 comentários:
Postar um comentário