Racismo, estrutura colonial e eleições no Peru!

“Já começou a operação de pentear macaco”
Aldo Mariategui, Jornal “Correo”, Lima - Peru




Recentemente ao ler o jornal Folha de São Paulo me deparei com uma matéria no mínimo intrigante, que me fez lembrar algo que não via a algum tempo no Brasil (talvez porque os nossos partidos de esquerda vêm sendo esmagados por partidos conservadores religiosos, intrigas ideológicas, o nosso bom e velho estamento burocrático, e o “aburguesamento” e elitização desses partidos de esquerda... Mas isso é outra conversa). A matéria se iniciava com o seguinte titulo: “Candidatos no Peru se unem contra os líderes populistas”. Neutralidade tendenciosa? Afinal, quem raios seriam os líderes populistas? Evidentemente que ao desenrolar da matéria ficou claro o que era óbvio desde o começo: sim, os tais populistas eram candidatos de centro-esquerda, mais especificamente o líder das eleições peruanas. Para contextualizar um pouco melhor é importante lembrar que este jornal apoiou a ditadura (ou melhor, se omitiu até demais, isso quando não se envolveu em algumas medidas de “contenção incisiva” militar) e recentemente defendeu com unhas e dentes o candidato José Serra... Ou seja, tendo isso em vista não era difícil imaginar a posição da Folha. Mas não nego que em certos momentos a matéria deixou de ser uma simples critica tola contra a esquerda e se voltou para uma análise do preconceito que envolve essas eleições no Peru, afinal comentários como este do diretor e colunista do jornal “Correo” de fato são chocantes!
Antes de tudo é importante saber um pouco sobre o Peru, que podemos lembrar, por exemplo, lembrar pelo lendário Cubilas(jogador de futebol) ou pelo Sr. Fujimori(ex-presidente condenado a 25 anos de prisão por corrupção e violação dos direitos humanos), ou seja, até aqui nada muito diferente do Brasil e de muitos países por ai... Mas vamos destacar algumas coisas sobre o Peru... Segundo a Unesco, o Peru possui o melhor índice de educação na América do Sul, no índice de desenvolvimento humano da Onu, em 2010, ficou a frente dos vizinhos sul americanos Brasil, Equador, Venezuela (ok, até aí análises superficiais, movidas pela necessidade massificação através da escola e dos padrões sociais), e sua produção gira em torno da matéria prima (o triste fardo da América Latina...) como metais e alimentos ao mercado estadunidense e chinês. O Peru faz parte da lista de prioridades dos saques estrangeiros na América Latina, lista que também incluiu a prata boliviana, o ouro mexicano e brasileiro (aqui no nosso amado Brasil ainda dá para incluir açúcar, café e, hoje, a soja), o café colombiano e o cacau equatoriano – todos na base da monocultura latifundiária com mão-de-obra escrava, não escapando impune aos interesses do capital externo. Desde a dominação espanhola a cidade de Lima (fundada por Pizarro em 18 de janeiro em 1535 como "Cidade dos Reis") faz com que a economia local dependa excessivamente dessa cidade, que já teve jurisdição total do período colonial sobre América espanhola.
Os principais “candidatos” eram: Ollanta Humala (centro-esquerda), Alejandro Toledo (centro-direita) e Keiko Fujimori (centro direita).
“Ollanta é um cholo de merda, e todos os pobres votam nele porque ele vai tirar o dinheiro das pessoas normais” – Internauta peruano no facebook, fonte Folha de SP.
“Cholo” que é um termo depreciador para as culturas indígenas (algo que lembra bastante os termos pejorativos usados para negros no Brasil), e a tal “operação de pentear macaco” do colunista Mariategui se refere a uma política voltada para camadas baixas, o que nós costumamos chamar de “populismo” (muitas vezes de forma paradigmática), porém os comentários racistas não são aleatórios e expõe a ferida da forte divisão de interesses explícitos desse conflito.
A população peruana se compõe basicamente de indígenas e descendentes de europeus e asiáticos, em sua grande maioria. Em uma pirâmide social veremos que no topo estão os brancos, heterossexuais e com capital estrangeiro em suas mãos, uma conseqüência do modelo de colonização eurocêntrica voltada para a europeização sócio-cultural, cristão-patriarcal, voltada ao abastecimento do mercado externo, que pode ser vista ainda em toda a América Latina, algo que as elites não querem romper... Na base da pirâmide está à grande maioria da população, vivendo nas sombras da grandiosidade do império Inca. As populações indígenas são a maioria esmagadora dessa população, herdeiros de um império esmagado pela mentira e traiçoeiragem dos chamados “civilizadores europeus” e se deparando com uma realidade fria de que somente lhes resta à servidão assalariada do serviço braçal do campo e o preconceito das elites para com estes. Desde o final do século XX surgiram vertentes cada vez mais fortes de pensamento que insistem que a população nativa peruana é um fardo para o desenvolvimento econômico do país, afinal, na dúvida, recorre-se à meritocracia, alegando desta forma que se essa população é pobre é por falta de esforço, preguiça e incapacidade de estar presente no “mercado de trabalho”. Também é importante salientar que o “ótimo” índice de educação (pelo menos é ótimo perante nós brasileiros) acaba se restringindo a escolas centralizadas em regiões como Lima, ou seja, a educação também se restringe as populações de cidades metropolitanas.
Só para se ter noção do esmagamento social que acontece no Peru, o trabalho infantil corresponde a aproximadamente 12% da PEA (população economicamente ativa), e é claro que estas crianças não são os filhos da classe média e nem burguesa! No Peru as estatísticas dos movimentos femininos apontam que as mulheres do planalto rural (das famílias camponesas) tiveram uma queda significativa na questão salarial... Ou seja, se o trabalho camponês é desvalorizado o da camponesa é quase insignificante para a renda familiar... E nos centros urbanos mesmo com um aumento de mulheres trabalhando fora de casa o que estes estudos mostram é que seu salário também é significativamente menor, porém uma suposta vantagem é levantada: as mulheres conseguem se manter mais tempo em serviço do que os homens, sendo assim as famílias que têm nas mulheres suas chefes, são mais pobres que as patriarcais, porém mais estáveis na questão da renda, para e ter uma noção Eduardo Galeano em seu livro as veias abertas da América Latina estima que 45% da população peruana come menos que 3 vezes ao dia... Um buraco sem fundo e que demonstra ausência de dignidade em nome da condição humana (Não que o neoliberalismo não produza isso até nos EUA).
E apesar dessas estatísticas cruéis para as camadas pobres da população ainda existem pessoas, no mínimo cara de pau, para afirmar que a maravilha da “economia de mercado é que todos nós temos informações e oportunidades iguais para atuar no mercado”.



Para finalizar, em um livro da série Primeiros Passos, o título “Populismo” apresenta esse conceito como uma perspectiva de saída para as classes populares. Se de um lado as elites fazem governos quase autocráticos através dos partidos de direita não resta nada além para a grande camada da população de votar em políticos evidentes populistas. Afinal no jogo político e nas atuais condições de desigualdade no Peru (e no Brasil) as populações se vêm obrigadas a votar no “tapador de sol com peneira” para pelo menos ganharem uma concessão ali outra aqui (e não seria através do populismo que o trabalhador brasileiro ganhou uma série de direitos? Que por sinal o PSDB ano passado tentou tirar alguns como “seguro desemprego”)... Nada de errado afinal quando se tem em jogo sua vida, seus sonhos e a de seus familiares é melhor comer pouco, mas comer, do que no final nada ter... Afinal, não é essa a opção que a alienação dos meios de produção e a estrutura social neoliberal oferecem aos desafortunados do capital? Se a bendita democracia de fato funcionasse não veríamos milhões na América do Sul à mercê do desemprego e miséria, talvez se o neoliberalismo não precisasse de contradições como a pobreza para sua máquina do lucro (Mais-Valia) provavelmente não veríamos as periferias no Brasil a mercê de pretensos “salvadores” religiosos que disseminam a homofobia, o racismo (em alguns casos) e não veríamos uma bancada evangélica tão forte oferecendo riscos ao tecido social de um país que prega ser laico. O preconceito no Peru evidencia problemas sociais gravíssimos mascarados pela indústria cultural e que acabam sendo associados ou à indígenas ou à esquerda.

"O subdesenvolvimento da América Latina provém do desenvolvimento alheio e continua a eliminá-lo. Impotente pela sua função de servidão internacional, moribundo desde que nasceu, o sistema tem pés de barro.postula a si próprio como destino e gostaria de se confundir com a eternidade. toda memória é subversiva porque é diferente. Todo projeto de futuro também. Obrigam zumbi a comer sem sal: o sal, perigoso, poderia desperta-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isso se dá mal com a história dos homens: pelo muito que esta muda. E porque, na história dos homens, cada ato de destruição encontra sua resposta - cedo ou tarde - num ato de criação." - Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina.

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