Racismo, as vezes é subliminar.
(A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa. - Eduardo Galeano).
O professor
Pablo estava animado em sua sala de aula. Um fundamental lúdico e por ser
lúdico transpunha problemas, coisas que ele mesmo jamais enfrentaria, e como um
contador de histórias ele estava a instiga-los com uma história sobre os saques
promovidos na América... Liam um texto complexo para sua idade, mas por serem
lúdicos e determinados em abrir os horizontes para voar longe, destrinchavam e
vivam em suas mentes aquele texto. Enquanto viajavam pelas terras de Montezuma
e Tupac, passando por cidades como Tikal, Tenochtilán e Cuzco com as linguinhas
de fora, com aquela carinha de entretidas com suas mentes que só crianças podem
fazer... O momento é interrompido pela sempre inoportuna direção e seus cães de
guarda (Havia certo aviso aos funcionários da escola para ter certa atenção com
essa aula, ela dava perigosas asas e sonhos a essas crianças).
- Pablo
preciso conversar com você. Está ocupado?
“Não, estou
fingindo que dou aula, haha” (Não, ele não falou, mas as crianças viram esse
seu olhar e riram muito).
Pablo então
se retirou da sala.
Há uma mãe e
um pai no corredor. A mãe é uma velha conhecida, uma senhora bem simples,
extremamente participativa da filha, sempre conversa com o professor sobre a
educação da garota e sempre tenta estimular a filha. O pai é um homem baixinho,
a mãe é bem mais alta, um homem forte, a menina já havia comentado que ele
trabalha na roça, com um sorriso de ponta a ponta e um semblante simples. Pablo
logo imaginou do que se tratava o problema... A direção tratou de tentar
direcionar a conversa a um rumo perigoso...
- Pablo, a
filha deles ficou com um 5 nas matérias de História e Geografia, sendo suas
notas mais baixas. (Pablo, AMA esse veneno, é gostoso incomodar essa gente
burocrática).
- Eu sei que
é a filha e a conheço bem, obrigado diretora. Acontece que não distribuo notas
de forma que o Estado almeja. Eu levo a sério o aprendizado das crianças.
(Assim a diretora se cala, e sai de canto com olhar “haverá troco” haha -
sempre há).
O pai de Yara
comenta da admiração da filha por Pablo e seu choque ao ver todos os cadernos
do 3º bimestre da filha, em branco, o que não faz jus ao 10 em português ou 8 em
inglês, “matérias que ela mal sabe o que está aprendendo” garante a mãe. Pablo
comenta da menina abatida, tristonha como nunca em sala... Um denominador
começa a ganhar rosto...
A mãe, se
recorda de uma história envolvendo uma menina de outra sala e uma novela, por
fim algo em torno da filha dizendo “odeio meu cabelo” seguido de choros constantes.
O professor juntou informações de algo que ouviu a respeito.
Acontece que Yara é negra. E seu belo cabelo é encaracolado. A menina da sala
do lado tirava sarro e dizia que aquilo era esponja de aço, dizia que mulheres
assim na novela eram empregadas... Yara ficou em choque. Insegura, com medo,
assustada por não ser como a mídia e a sociedade gostariam que ela fosse (ou
como ela se olhou: “feia”). Mas o que havia de errado com ela?
Com ela nada. É uma menina bonita, simpática e de bem com a vida. Já com a
sociedade... Racismo enraizado pela relação Casa Grande e Senzala. Cabelo encaracolado
não mata. Racismo e exclusão sim!
Pablo teve a ideia
de para não assustar a garota, conversar com ela a sós. Os pais concordaram e
assim que foram embora, ele a chamou. (Sim nesses mins a sala estava
concentrada lendo, cosias que só acontecem nesses contos ou nas aulas de
história hahahaha)
- E ai Yara,
o que me conta de novo? – papo furado para rodear e achar brecha para o
assunto.
- Nada –
resposta mais que esperada.
Aos poucos
Pablo direcionou a conversa. E a menina abriu o jogo...
Sim uma doença
social chamada “Humor negro” havia começado isso tudo. Acontece que os pais da
menina da sala do lado, são aqueles que acham que esse tipo de “piadinha” é “só
uma brincadeirinha”. E a filha, amiga da Yara, achou que poderia brincar assim
com a amiga. ¬¬. Sem ter noção do efeito que causou na amiga e dos elementos socioculturais
envolvidos, a menina havia repassado a pesada carga de um Brasil colonial. É
uma carga pesada.
Yara andava
almejando alisar o cabelo enquanto chorava e gritava trancada no banheiro
enquanto tentava pentear o cabelo. Desesperada. Agora fazia sentido uma das
melhores alunas estarem tão tristonhas...
Pablo, conseguiu mostrar para a menina, após conversar com ela por diversas vezes na semana, que não havia nada errado com ela. “Quando isso se repetir me avise, eu resolvo na hora.” – Sabendo no fundo do coração que isso deve ter acontecido tantas vezes nessa escola e em tantas outras. E professores e gestores indiferentes, legitimando essa doença social. Demagogos covardes que se escondem atrás de uma pedagogia escrota do amor e mal sabem o nome dos alunos ou se importam com estes. Coisas da vida que não podemos acostumar.
A menina foi cobrada pelos pais. Fez um
trabalho extra de história, sobre estrutura social Asteca e um mapa mental
sobre os Maias. Estava feliz.
Enquanto
isso. A escola continuará legitimando sua preocupação com bônus, dirigida por
boçais e enquadrando jovens ou os transformando em monstrinhos sádicos e frios.
O Marxismo e autores como Vygotsky, de Pablo leva a crer que o indivíduo é fruto do meio
social e de elementos históricos que forjam a conjuntura histórica. Difícil
transpor isso. Difícil achar meritocracia coerente.
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