Entrevista com o antropólogo italiano Massimo Canevacci!
1. Professor, primeiramente gostaria que se
apresentasse ao pessoal que acompanha nosso zine, falando um pouco de seu
trabalho!
Nasci em Roma, tinha dificuldade na escola e ainda mais na universidade.
Comecei a trabalhar na Alitalia. Depois um ano mudei de faculdade e me escrevi
em Filosofia. Era 1968. Participei do movimento e ao mesmo tempo me graduei
sobre a Escola de Frankfurt. Adorno (autor) em particular. Por um caso me
convidaram a organizar um seminário na universidade de Roma sobre as culturas
juvenis na disciplina de antropologia cultural. Acetei. Depois ganhei um
concurso e virei antropólogo (espero). Me propuseram escrever um livro sobre a
família: nascia aí “A Dialetica da Familia”, que foi traduzido pela editora
Brasiliense. Assim me convidaram a vir à São Paulo pela primeira vez, no ano
1984: ano das “Diretas Já!”. Comecei então a fazer pesquisas sobre “a cidade
polifônica” e depois sobre as culturas indígenas (Bororo e Xavante).
2. Massimo, o que seriam as culturas eXtremas?
No inicio dos anos 90, fui nominado professor na faculdade de
Sociologia. Os meus alunos eram em grande parte vivíssimos e criativos. As
raves de Roma iniciaram graças a estes alunos, que, na verdade, viraram mais
meus amigos e me convidavam a participar dos primeiros eventos da BBS (internet
que estava nascendo, apesar de que eu nunca entendi nada de informática),
fossem eles nos “centri sociali occupati” (CSOA)* ou em fábricas abandonadas.
Naquele momento, a musica techno, junto com invenções de estilos e de algumas
“substâncias”, favoreceu o nascimento das primeiras rave ilegais. Então comecei
a participar de muitos eventos deste tipo. Outros alunos meus começaram a
movimentar Luther Blisset e quando foram acusados, fui testemunhar que a
policia não tinha os códigos pra entender aquele movimento e convidei os
policiais a estudar antropologia. Depois um tempo, tive a ideia de escreve um
ensaio sobre as culturas juvenis metropolitanas, também porque me convidavam
sempre, e a jornalistas parra fazer entrevistas, de radio, TV, etc . O problema
é que, normalmente, os media** não entendem nada sobre a juventude. Mah...
Assim em pouquíssimo tempo, acho que 2-3 meses, escrevi o livro. Na Itália foi
um sucesso e depois foi traduzido no Brasil, mas a editora era fraca e
desapareceu (fechou) pouco depois.
3- Professor primeiramente gostaria de falar
um pouco de seu trabalho com culturas eXtremas. Em seu trabalho “Culturas
eXtremas – Mutações juvenis nos corpos das metrópoles” o senhor tem como um dos
objetivos analisar as relações, conceituais e comportamentais, entre jovens,
metrópole, mídia e consumo. No Brasil, como o senhor enxerga essas relações?
Boa pergunta, porque focaliza um limite meu. Só agora encontrei em SP
alguns grupos interessantes pelo meu ponto de vista. Mas a cultura dos raves
aqui sempre foi bem diferente que na Europa e agora este movimento acabou.
Também a questão de autogestão de edifícios abandonados ou livre me parece
difícil ou quase impossível aqui. Me parece que os jovem tem diretos só entre o
código civil. No mesmo tempo, foi convidado frequentemente nas universidades a
falar sobre este argumento, mas nunca – nunca – da parte de grupos jovens
auto-organizados. Pena. Este é o meu limite. Agora me fizeram a proposta de uma
nova edição e poderia fazê-la, mas só se conseguir entender se existem culturas
eXtremas em SP. O meu foco é a relação entre cultura digital, metrópole
comunicacional e corpo mutante.
4- Professor, o que seria a
"multividualidade" e a "polidentidade"? Estes termos/qualidades
só se aplicam aos indivíduos eXtremos e à (suas) produções intermináveis
(eXtremas)?
Sim, o conceito de eXterminado foi importantíssimo pra mim. O entendi no
processo de um seminário com um grupo experimental de teatro (Krypton). Então,
as culturas eXtremas são eXterminadas porque nunca acabam. Se modificam, mudam
e criam outros tipo de estilos, valores, musica etc. Por isso, a subjetividade
eXtrema não é mais baseada sobre as raízes (conceito reacionário), a
identidade, o agrupamento territorial, mas se manifesta uma tendência desejante
em direção da multiplicidade. Por isso, pra mim, o indivíduo eXtremo é um
multivíduo: mistura uma fluidez diaspórica identitária. O in-dividuo perde a in e assume o multi. Nesse sentido, esta subjetividade multividual antecipa um
processo mais amplo da comunicação digital em conexão com a metrópole
material/imaterial.
5- Quais as principais "diferenças"
(especificidades e características) entre as culturas e os indivíduos eXtremos
brasileiros e os de outros lugares?
Ai, ai! Difícil responder. Me parece que a juventude brasileira é mais
localizada, territorial, mais identitária (as raízes são sempre reivindicadas
infelizmente!) A partir do Sepultura, que produziam uma musica global e
propagavam uma territorialidade e um titulo “raízes” que era só publicidade ou
slogan. Eu sei que vocês gostam da musica heavy e por isso deveriam criticar
esta banalidade “filosófica” daquele que foi o melhor grupo mundial. Tem um
lado um pouco nacionalista de mais. Por exemplo, a América Latina não me parece
um contexto de elaboração eXtrema onde os jovens libertários brasileiros são
conectados. A diferença da Europa, onde fragmentos eXtremos são presentes e se
modificam nas diversas áreas intersticiais metropolitana. Agora a cultura
digital está abrindo cenário. Mas queria entender melhor. O conceito de
interstício e ubiquidade são decisivos!
6- Para finalizar eu gostaria de saber como
avalia as movimentações sociais hoje. Falo em relação a movimentos como “Fora
Feliciano” (Em relação à nomeação do deputado Marco Feliciano – PSC à cadeira
da Comissão dos Direitos Humanos) e também se manifestações da web tem espaço?
Acho este cara, Feliciano, de nome mais infeliz de fato. “Infeliciano”
queria chama-lo, a coisa pior do Brasil e ainda não entendi é como foi possível
a sua nominação. Hoje na TV Record (outra TV-vergonha), ele jurou na frente da
Bíblia e da Constituição. Ele representa uma ponta emergente mais profunda de
reação não só homofóbica, mas de um protestantismo evangélico que está
modificando o Brasil em sentido sexo-repressivo e autoritário. Acho
perigosíssimo. Na web, especialmente no FaceBook, muitas piadas são contra ele.
Mas não é suficiente. Acho que um movimento baseado sobre a política
comunicacional descentrada precisa de enfrentar com lógicas inovadoras este
problema. Desculpe a sinceridade final, mas ele pra mim é igualzinho a Marina,
como é possível ser criacionista, isto é anti-evolucionista, e ser “ecológica”?
É absurdo. Ridículo. A cultura evangélica é outro lado de um aparente
liberalismos sexual que sempre no Youtube difunde como estereotipo do Brasil
(um amigo me perguntou o que significa “serra de bunda” e eu tinha dificuldade
a explicar. Mas este aparente liberalismo é sexo-repressivo e regressivo, outro
lado evangélico. É hora de enfrentar numa maneira inovadora a questão “droga”.
Conselho o livro que tá saindo agora de Saviano, “Zero Zero Zero”.
7- Professor muito obrigado pela atenção.
Espero ter mais oportunidades de fazer uma entrevista como essa! Abraços.
Prazer meu! Um abraço eXterminado....
Comentários
Li, reli a entrevista, adorei! E com todo o respeito que há no mundo e fora dele, gostaria de mencionar pontos da entrevista dos quais não sei se discordo de fato ou se talvez não tenha entendido (não que minha opinião vá ter qualquer relevância ou que eu seja "A Pessoa" aprofundada em algo) - e que nem pareça que tenho nenhum tipo de inimizade com nenhuma das posturas do querido entrevistado!
Dentro da quinta resposta surgiu minha inquietação:
Como nascido e criado em periferia, não consigo sentir que ele e eu falamos das mesmas coisas quando falamos sobre "Raízes"
( Sobretudo utilizando o Sepultura e seu trabalho carregado daquela visão ocidental burguezaça, que busca itens "exóticos" aqui e ali, do mesmo modo que uma família típica vai em qualquer zoológico ver "coisas diferentes", sem nunca se aprofundar em nada daquilo... ).
Quando penso em Raízes, penso por exemplo (um exemplo até distante) Nas raízes tão necessárias a povos como os do México, para mantê-los unidos e centrados no instante em que os Zapatistas precisaram se erguer... Conhecimento de si e dos seus, do que veio antes e do que é e está; do que deverá vir a ser...
Então, me deixe saber se há incoerência em minha interpretação, ok?
O outro ponto que me deixou ''ressabiado'' , é que me pareceu um tanto eurocêntrica sua análise e comparação no seguinte trecho
"A diferença da Europa, onde fragmentos eXtremos são presentes e se modificam nas diversas áreas intersticiais metropolitana."
Bem, é isso!
Abraço enorme, querido!