Lobão x Racionais: Luta de Classes - Por Felipe Nizuma



Finalmente alguns membros da geração do rock nacional dos anos 80 revelaram a que vieram. Uma geração de artistas que esteve praticamente distante de toda a mobilização social que levou a derrocada da ditadura civil-militar como governo, que não estava com os movimentos sociais e da esquerda na briga pela formulação da constituição de 1988 (e que poderiam ter feito peso ideológico para que esta avançasse mais e que apontassem as suas contradições...) e contra a velha burocracia herdada da ditadura civil-militar que estava (está) por aí... enfim, era uma geração que gritava “que país é este” como se não houvessem alternativas, quando ao contrário, a luta de classes estava efervescente, das greves dos operários, das greves estudantis, da reorganização do movimento negro e indígena, do crescimento da luta feminista, de moradia, dos trabalhadores sem-terra, trabalhadores assalariados rurais, LGBTs e muitos outros. Como se pode ver, esta geração do rock dos anos 80 estava totalmente antenada, mas com os anseios da classe média, que é justamente quem estava perdendo os privilégios da ditadura, junto claro, com a burguesia.
Cheio de racismo, Lobão – filho da burguesia intelectualizada (nem vou dizer “burguesia-branca-racista” porque é redundância) – demonstrou recentemente no livro – que não li e nem vou ler – sua própria limitação enquanto “animal dotado de racionalidade”. Se ele quer falar de “qualidade” musical, então vamos: ele não consegue compreender, porque que ele, branco, burguês, com todos os meios materiais para produzir música, é totalmente irrelevante em relação ao desenvolvimento da música, ao contrário dos Racionais. Ficou revoltado porque é filho da burguesia e nem a burguesia o quer. É isso que se trata quando o Lobão “crítica” a tal da lei Rouanet (que ele diz ter recebido propostas, mas que não aceitou – provavelmente porque não foram a “altura” do “talento” dele). Ele se revolta porque a burguesia, que também é dona dos meios de produção culturais, nem acha ele talentoso e nem acha ele vendável.
A crítica em relação à lei Rouanet tem de ser no sentido de que é uma lei que entrega dinheiro público para instituições privadas de cultura (como o Itaú Cultural, Espaço Unibanco, HCBC e etc) e que estas mesmas instituições vão escolher quem são os artistas e que público vai ser beneficiado. Ou seja, a instituição ganha dinheiro público para investir e fica com o lucro (a contraposição fica em abatimento em impostos e etc). Por isso tudo é difícil praqueles que tem apenas sua força de trabalho pra vender e bancar a si próprios, na vida, e também no terreno da “cultura”. O mesmo vale para o novo “vale-cultura”. Ele vai ser tirado da folha de pagamento do trabalhador e abatido de impostos do patrão.  As duas leis são um golpe do governo, pois o que deveria ser feito, é que o valor deveria ser retirado do patrão e ser investido em espaços culturais públicos (aqui está a contradição capital-trabalho, porque o patrão não vai concordar que retire algo do seu lucro: é a luta de classes). E mais, os projetos de cultura deveriam ser elaborados diretamente pelos trabalhadores da cultura, artistas e pela classe trabalhadora em conselhos populares. Aí o Lobão não tem qualquer chance. Como disse o Mano Brown, na periferia dos anos 80 ninguém ouviu falar dele.


Já os Racionais Mc’s são exatamente a negatividade do Lobão, porque emergiram diretamente das mobilizações sociais dos anos 80, fazendo parte do movimento negro em movimento, ou seja, é o motor da história.  E tem um senhor de engenho dentro do Lobão... Enquanto ele cantava ironicamente “Vida Bandida” (cantando supostamente a vida das ruas, mas talvez fosse das ruas do Leblon), os Racionais estavam lá, sem vínculos com a burguesia, eram a classe trabalhadora falando da classe trabalhadora e pela classe trabalhadora. Não precisam de um Lobão pra dizer nada pela classe trabalhadora negra (como é costumeiro na arte brasileira oficial desde 1922). A revolta do Lobão em relação aos tropicalistas, concretistas, bossanovistas e etc., é justamente porque mesmo sendo pequeno-burguês ou burguês como as vanguardas, ele é limitadíssimo qualitativamente falando (não inventou a batida do João Gilberto, não foi rebelde como o Roberto Carlos, não foi experimental como os Mutantes e nem foi revolucionário como o Tom Zé). Vai falar de que? Tem meios de trabalho, mas não saberá nunca o que fazer com eles, porque ele já se acha genial antes de criar (quando no máximo a sua obra está no nível do “gosto”, e bem discutível...). E nunca produziu nada relevante, nem mesmo dentro de sua própria geração.
O que fica claro é que o Lobão quando chama a Dilma e o PT de “terroristas” é porque quer uma fatia do bolo e não foi convidado para a festa. Se revolta do modo errado. Porque se fosse capaz de fazer uma crítica (e ele não é), deveria ser porque a gestão do PT, aliado com os partidos burgueses tradicionais da direita, não tem servido de instrumento de luta, e ao contrário, tem servido para calar os movimentos sociais e desenvolver o capitalismo, onde a própria lei Rouanet e o novo Vale Cultura estão aí para mostrar quem serão os beneficiários (os empresários). Parafraseando o revolucionário Trotsky junto com o surrealista Andre Breton, a arte tem que ser livre, mas ser livre é justamente uma arte em movimento, contra o dirigismo tanto estatal quanto do mercado. O que o Lobão faz é o contrário: defende o dirigismo do mercado e estatal, desde que, ele seja o principal beneficiário.

Felipe Nizuma é formado em Geografia pela USP, colaborador do RxTx, integrante do "Coletivo de artistas socialistas da CSP- Conlutas e integrante das bandas Urutu e Braindeath.


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