Entrevista com Felipe Nizuma (Urutu, Brain Death e Six & Rebels)

RxTx – Felipe primeiramente eu gostaria de saber como você enxerga as manifestações como a contra o aumento das passagens em São Paulo que se espalham pelo Brasil.
Felipe Nizuma - Fala Fábio! Penso que tem uma insatisfação geral sobre o transporte público, mas ela geralmente se dá no plano individual. Sozinho se faz o que? É muito caro, sempre lotado, aqui em São Paulo é um inferno. 2 ou 3 horas no transito só pra ir, mais 9 horas de trampo, depois a volta, quando você vê, são 13 ou 14 horas na rua... Sempre que tem aumento o MPL e outras organizações chamam o ato. Dessa vez talvez esteja sendo diferente porque a insatisfação individual se tornou coletiva. O Sindicato dos Metroviários, um dos mais combativos hoje por aqui, já estava em campanha contra o aumento das passagens algumas semanas antes - o abaixo assinado oficial foi divulgado por eles e replicado pelo MPL -, então o que se tira disso é que a politização não é espontânea, mas sim fruto da luta permanente de muitas organizações que tentam moralizar o resto da população de que sim é possível pressionar. E a ideologia da classe dominante se mostrou bem dessa vez, são muitos vídeos, fotos e etc que demonstram o que a gente que tá do lado de cá sempre disse, que quem vandaliza é a Polícia Militar, sempre a serviço do governo e dos empresários do transporte, neste caso. Outro ponto é que a população apostou na "frente popular" do PT na prefeitura com o Haddad esperando respostas, mas que tem demonstrado de que lado está, pois não coloca seu cargo a serviço dos movimentos sociais, não ficando claro em que o PT se diferencia do PSDB. Isso ficou claro também na greve dos professores municipais.

 

RxTx - Indo para o lado das bandas das quais você faz parte. Vocês têm alguma letra ou algum material preparado, que aborde esse momento histórico, especificamente? Ou não pretendem nada nessa direção, pelo menos nesse momento?
Felipe Nizuma - Estou tocando em três bandas hoje (Braindeath, Urutu e Six & Rebels) e como elas se originaram nesse mundo, de algumas forma elas expressam o momento. O Braindeath, no material digital que lançamentos em 2011 ("Crossing over the pit") tem um som que chama "Into the fire" que na época escrevemos sobre as manifestações no Egito que derrubaram o ditador Mubarak, tem uma outra que chama "Thirst of vengeance" que foi escrita sobre a luta dos indígenas. O Urutu tem a "Sob o domínio da serpente" que faz essa crítica da transição da ditadura civil-militar para a democracia, que não acabou e a PM mostra bem isso - os aparatos institucionais e civis/empresariais herdam tudo aquilo. O Six & Rebels, que é uma banda de hard rock, também tem músicas que tratam disso, uma que chama "Wild in the streets" que foi escrita sobre as manifestações na na Líbia que derrubaram o ditador Kaddafi, por exemplo. Mas nem acho que seja obrigação de artistas fazerem isso, a diversão e a distração tem que sim fazer parte de uma nova sociedade, porque a "alienação" cultural de hoje tem mais a ver com quem domina a difusão cultural, então temos que tomar as rédeas. Não queremos uma sociedade em preto-e-branco com fábricas cinzas ao fundo, creio que o que tem que emergir em termos de "cultura" seja todas as frentes de arte e cultura nas mãos da classe trabalhadora, para retratarem o mundo da forma como achar melhor. Não é que o artista tenha que ter a obrigação de retratar a "realidade" de denunciar, tem que ser livre pra denunciar ou não, mas a obrigação talvez, seja a de tomar a direção de quem comanda a "cultura".

RxTx - Cara esse grupo de hard é novidade para mim, confesso. Podia falar um pouco mais sobre essa banda?
Felipe - Cara,é uma iniciativa minha, da Adriane (voz - ela tocou em várias bandas de Santo André, e teve uma que tocou no Metal For All certa vez, chamada Hellgard, era uma banda de heavy metal só de mulheres), do Márcio Led (baixo - também tocou em muitas bandas em Santo André) e do Leandro T-Bone (bateria - tocava na banda glam rock Pink Dolls). É uma linha meio hard rock inglês, tipo Whitesnake, Tygers of Pan Tang, Thin Lizzy, FM... Estávamos ensaiando durante o ano passado pra gravar umas músicas e o Leandro T-Bone quebrou a perna. Mas voltamos a ensaiar ante-ontem, com o Rafael Sampaio (sim, o batera do Braindeath e o Blasthrash, um grande amigo).

RxTx - O Urutu toca músicas bastante “streets” em uma fusão de NWOBHM com punk. As letras também refletem bastante isso. Você usou a expressão "nasceram nesse mundo". Eu gostaria de entender essa expressão... Posso ter interpretado um pouco equivocadamente...
Felipe - Sobre "nasceram nesse mundo", só quer dizer, que na arte, às vezes as pessoas (inclusive intelectuais) tendem a achar que é um mundo separado. O que determina a arte são os meios materiais para a produção da arte. Então relativamente, o The Force do Paraguai é qualitativamente muito mais bem elaborado do que o Bonded By Blood dos EUA, porque a falta de condição material-financeira latino-americana para se produzir música impõe que se elabore muito mais o que está se fazendo do que quem tem um estúdio enorme e uma gravadora bancando.



RxTx - Você acha que alguns grupos dentro do underground metal/punk tem conseguido articular algumas micro resistências? 
Felipe - Acho que bandas como Violator, D.E.R. e Defy têm ajudado a elevar o grau de consciência sobre as coisas. Pode notar que as três atingem os objetivos de cada "estilo" muito bem. A galera sabe o que tá fazendo. Não acham que são diferentes porque tocam thrash-grind-crust. São diferentes porque sabem que não é roupa, nem cabelo que vai fazer a pessoa ser diferente. Creio que ajuda sim a criar um setor de resistência. Ainda que bem pequeno, porque não são músicas que atingem as "massas", mas ajudam a organizar um setor jovem, moraliza bastante sobretudo, a juventude. Mas ainda acho que o embate poderia ser maior, e aí que entraria o papel de auto organizar em fóruns pelo menos - porque as denúncias dentro do "underground" ainda tem caráter muito grande de insatisfação individual, e tendem a achar que denúncias de nazismo, fascismo, machismo, homofobia, dividem o underground. Inclusive com discursinho de direita, que sempre vai dizer que é "patrulha ideológica" como ouvi certa vez de um "colega" que dizia coisas racistas/machistas/homofóbicas em fóruns do antigo orkut. Tá vendo como faz falta a auto-organização?


RxTx - Amigo, obrigado mais uma vez, faça suas considerações finais!

Penso que a gente tenha que caminhar do famoso "do it yourself" para um "do it ourselves, together, as working class".

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