Porta-vozes do apocalipse: o caso de Roger Moreira do Ultraje à Rigor (por Felipe Nizuma)
O filósofo Walter Benjamin[1] certa vez observou: não há nada em uma coisa que já não estivesse nela. A afirmação, enfática, quer dizer que para compreender algo hoje, é necessário olhar para o passado. Tanto o fascismo quanto a revolução saem da mesma condição.
Por trás das afirmações reaças existe um tipo de
comportamento já visto anteriormente na história e que está muito além do que o
Q.I.[2] do Roger
possa compreender. Ernest Mandel[3], sobre a
formação do fascismo e do nazismo, dizia que conforme a crise econômica aperta,
setores de classe média (a pequena burguesia ou #classemediasofre) que são
pressionados pela proletarização decorrente da crise, radicalizam-se, podendo
ou não, formar um movimento de massas. Desse acirramento, uma das
possibilidades, é passar a expressar grosserias, que teriam origem cultural
pré-capitalista (racismo, homofobia, machismo, preconceitos de origem
religiosa, regionalista, nacionalista e etc) assimilado aos de natureza estritamente
capitalista (preconceito de classe); a famosa “modernização do atraso”, segundo
Chico de Oliveira.[4]
Vejamos: não só o Roger não se tornou conservador,
como ele já era e segue reproduzindo a mesma idéia. “Inútil” (1985) ignora todo
o movimento de trabalhadores que peitou a ditadura militar e levou à
democratização (burguesa) da política, a final de contas repete incessantemente
na canção a frase “a gente não sabemos”. “A gente” quem? Pois a vitória do
movimento que questionou a censura aos artistas proporcionou a Roger que
pudesse escrever suas canções, mesmo que seu Q.I. não seja capaz de processar
esse movimento.
Roger é um exemplo vivo da confusão mental de nossos
tempos: por um lado reivindica pautas justas (disse recentemente: “é esse tipo de miséria que eu gostaria que
acabasse no Brasil: a miséria cultural, a pobreza de espírito, a falta de
educação de qualidade” respondendo ao ator Jorge de Abreu, que é petista e
defende cegamente o partido) e por outro, sua “vontade” é capitalizada para a prática
proto-fascista nacionalista #classemediasofre (lembram do “gigante acordou”?) que
coincide com a política tucana que é voltada hoje para essa mesma classe média.
A análise do “perigo” fascista deve passar então,
pela análise de quem está com quem. Basta olhar os números. Se a burguesia está
ganhando, é porque a mediação que o governo ( federal), através do Estado, faz
está bem. Só que a direita “de verdade” é a burguesia e não a #classemediasofre,
que é a direita “de mentira". De modo espontâneo, semi-consciente, ela apenas
ecoa grosserias de moral muito baixa proveniente dessa mesma burguesia; a
ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, como dizia Marx.
Quando ela se radicaliza, nessa direção, ela pode
partir para agressões físicas: amarrar jovens negros no poste, bater em
militantes de bandeiras vermelhas e etc; no limite último, ela poderia ir na
direção da formação de um partido fascista, daí seu “valor” para a burguesia,
pois poderia cumprir um papel sujo e escroto que a burguesia não fará com as
próprias mãos. Mas burguesia daqui está lucrando agora, então hoje essa
burguesia e a #classemediasofre estão um pouco dessincronizadas.
A não ser que haja sincronia entre os dois (burguesia
e #classemédiasofre, sob interesse da burguesia e contra um movimento de massas
revolucionário – que não necessariamente se identifica com o PT) Roger e seus
colegas mal-educados, como Lobão, Rachel Sheherazade, Olavo de Carvalho e
outros, serão e são apenas porta-vozes de um apocalipse da bizarrice.
Referências de leitura:
Álvaro Bianchi. A burguesia de mentira e as vaias
para Dilma. Em http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=2319
Ernest
Mandel. Trotsky como alternativa.
Francisco de Oliveira. Crítica à
razão dualista / O ornintorrinco.
Karl Marx. A ideologia alemã.
Walter Benjamin. Obras escolhidas: magia e técnica,
arte e política.
[1] Walter
Benjamin, filósofo marxista alemão da Escola de Frankfurt, se suicidou em 1940
fugindo do nazismo. Seu escrito mais conhecido é “A obra de arte na era da
reprodutibilidade técnica”.
[2] A menção
do “Q.I.” é irônica. Hoje se sabe que Q.I. não mede inteligência, porque
inteligência é uma qualidade relativa dada a multiplicidade de coisas, entre
elas, a História que compõe o ser – coisa que o teste abstrai.
[3] Ernest Mandel foi economista e militante
trotskista que reivindicava a “IV Internacional” (ele era do Secretariado
Unificado) e militava desde os anos 40. Seu livro mais conhecido é “O
capitalismo tardio” da coleção “Os economistas”.
[4] Chico de
Oliveira, sociólogo, analisa o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e sua
análise, em parte, se baseia na “teoria do desenvolvimento desigual e
combinado” de Trotsky para compreender as relações pré-capitalistas no
capitalismo.
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