Entrevista com a banda Qerbero - Por Augusto Miranda.


A banda paulistana stoner "Qerbero" está na ativa há um bom tempo  antes do que uma leva enorme de bandas de som arrastadão. Tocando esse estilão soturno entre bandas punks - em que a velocidade da luz impera - então, pode-se dizer que é uma das primeiras. Primeira? Sei lá. Não importa. Eu mesmo, participando da recém-finada "O Mito da Caverna", me considero rebento deles - e me recordo bem do impacto que foi, coisa de seis ou sete anos atrás, acho, quando os vi a primeira vez no não-tão-recém-finado Espaço Impróprio. Fiquei por cerca de meia hora imaginando quando que aquele "instrumental arrastado ferradão de abertura" ia acabar e começar a porradaria. O Som acabou e a porradaria naquela forma esperada não veio. Mas o golpe foi crucial. Devo essa a eles.
Eles nunca tinham sido entrevistados (acredita?)
Eu já participei de algumas entrevistas, seja pelo Praia de Vômito, seja pel'O Mito - Até aqui mesmo, na Resíduos. 
Nunca havia entrevistado ninguém. Bom,  daí, só somar. A Qerbero é uma banda muito singular; nunca foram entrevistados; eu sempre quis entrevistar alguém; adoro a abordagem da Resíduos Tóxicos. Instalou-se o bate-papo.

(Isso aqui já ficou metalinguístico demais, vamos pra entrevista?)


1-    (Augusto) - Muito feliz por essa chance de uma entrevista com vocês, vou começar pelo que nunca perguntei em pessoa - e olha que estamos numa mesma caminhada já há um bom tempo :
"Qerbero..." O que significa? (Alguma inspiração específica para o nome?)

(Lucas) é uma corruptela do nome latino do cão Cérbero, aquele de três cabeças guardião do inferno, da mitologia grega e famoso pela Divina Comédia, do Dante Alighieri. Em latim é algo como Kerberus, ai mudamos a grafia pra não ficar muito babaca ou parecer pedante demais (o que é quase a mesma coisa). 

Há, claro, feliz estamos nós pela entrevista. A primeira em seis anos de banda, acredita? ainda mais sendo você o entrevistador. Grande satisfação. 

2-    (Augusto) - Existe alguma "aplicação social" no nome adotado?
Pergunto por que vocês parecem apontar com força pra além da mera "arte", saca? (Não que tenha algum erro nisso da arte...!)

(Lucas) A princípio não, a escolha de um nome pra banda, música ou disco é sempre algo difícil. No nosso caso, ele surgiu da leitura de uma revista comum de notícias, lembro que havia uma nota em uma reportagem na qual o autor explicava a origem do mito do Kerberus, não lembro sobre o que era a reportagem.  Gostei da ideia e passei pros caras em um ensaio, eles  gostaram também e a gente adotou o nome pra banda. A gente nunca quis usar a banda para fins estritamente políticos, apesar de termos posicionamentos bem claros a respeito da organização social  da qual fazemos parte. Obviamente, nada contra quem faz isso. Eu particularmente admiro quem opta por esse viés estritamente panfletário, de crítica e ação politico-social através da música. Mas não é minha ideia com o Qerbero. Nem por isso deixo de ver  política no que fazemos. Você citou esse lance da arte e tal, e acho que justamente por isso não deixa de ter uma aplicação social. Quero dizer que não é necessário dizer "somos punks e odiamos o governo" pra isso, o simples fato de fazer música e pensar o que ela pode significar e resignificar para nós e para os outros já é político, esse é um processo que nunca será neutro, é preciso tomar um partido, ao mesmo tempo em que é preciso também pensar pra além do murro na mesma parede, sair um pouco da resignação da opressão, mostrar como pela música é possível apresentar uma resposta plausível, ou uma terceira via. Mas acho que já estou saindo do tema da pergunta. 

(Felipe) - Também acho que a política permeia tudo o que fazemos, acredito que qualquer ponto de vista seja parcial e escolha um lado, mas, no caso do nome da banda ou das letras, essa influência toma formas e resultados indiretos.

3-    (Augusto) - Que é um dos lances que acho mais formidáveis em vocês!
É meio comum nos depararmos com gente nos circuitos metal que até forçam pra dar uma desviada do posicionamento político - e neutralidade, tipo como vocês mencionaram, não existe, né... (não escolher um lado já é a própria escolha de um lado, que no caso favorece quem já tá por cima da carne seca)
E cá entre nós, stoner, doom, sludge são maravilhosos mas não são tão conhecidos pela crítica social! Não tô dizendo que não há, só não me parecem tão focados nisso! 
- Vocês concordam com isso? 
- E Já que estamos no assunto da abordagem nas letras, vamos pro passado! Queria saber de vocês sobre as experiências em outras bandas e coletivos, e mesmo vida profissional. Vocês saberiam apontar qual a influência dessas experiências no que tem rolado com o Qerbero?

(Ueslei) - Verdade! Ando falando muito disso pra alguns amigos, boa parte da galera  do Metal esta fugindo de questões políticas, e muitas vezes criticando os  Punk´s! Metaleiro com postura conservadora! Lamentável.
Também comecei tocar com amigos de bairro, sempre fui baixista, tiravamos cover de varias bandas, aprendi muito com isso! Sempre andei por dois caminhos, bandas cover, bandas de som próprio e algumas bandas que misturavam os dois .. Rsrsrs .. Nesse esquema cheguei até sobreviver de musica, tive alguns patrocínios mais acabei deixando meus objetivos de lado! Sou louco por som pesado, sempre quis tocar uns Metal  e uns Punk Rock Zica mais estava viciado em tocar em bandas de amigos que em sua maioria eram bandas de Rock de Shopping ...  Rsrsrrs ... Adorava ir e role Punk, adoro movimentos que nasceu nas ruas mais nunca montei uma banda do gênero.
Depois de uma decepção com essas bandas, dei um bastas e comecei a tirar um projeto do papel, sempre quis estudar Guitarra e Bateria p/ poder gravar minhas ideias de som pesado, comecei a fazer aula de Bateria e estudar Guitarra freneticamente nas horas que não estava trampando! Na correria do trampo tive que dar uma pausa nas aulas de bateria e um certo dia meu professor ( Baterista do Noala e Cranula ) mandou uma mensagem dizendo que uns amigos dele precisavam de um batera p/ uma banda de Doom ... Confesso que quase não conhecia o estilo! Rsrs ...escutei as musicas dos caras e gostei, voltei pra aulas de batera  e hoje estamos ai batalhando juntos.
Hoje sou Baterista do Qerbero ( Doom ), Baixista do "O Satânico Dr Mao e os espiões Secretos" ( Punk Rock), Começando a produzir  uns sons meus de  Death e  Trash e fazendo free lance como baixista  p/ bandas de Rock Cover na onde levanto grana p/ manter gastos com cordas, baquetas, ensaios, tatuagem e etc.
(Felipe) - Concordo, mas acho que não focamos muito também explicitamente nisso hehehe. Como disse, só não fugimos do posicionamento. 
Eu comecei a tocar com amigos do meu bairro, tínhamos uma banda com uns três guitarristas e tocávamos Capital Inicial e Metallica no mesmo ensaio hehe
Pouco depois disso, tinha uma banda de punk rock precisando de guitarrista e foi aí, no meio dessa galera mais ligada ao punk que conheci caras que eram straight edges, vegetarianos, que estudavam história e fenômenos sociais. Era tudo novo pra mim e eu admirava muito a forma como aquelas pessoas enxergavam o mundo e se relacionavam uns com os outros.
Veio o Massacre em Alphaville, já influenciado pelas primeiras leituras anarquistas, os shows no Percy’s e no Luar, a primeira Verdurada, Casa de Cultura do M'Boi Mirim, Espaço Impróprio... Posso dizer sem exagero que foi o punk que me apresentou a cidade, ou as cidades, já que eu sempre fui um cidadão de Itaquera, quase que exclusivamente até então hehehe.
Depois foi Curitiba, BH e o Carnaval Revolução, Ourinhos, Brasília. Sempre conhecendo pessoas especiais pelas quais nutro muita admiração até hoje.
O Queda, banda que era pra ser um hardcore "tipo integrity" e virou "tipo sludge", é a primeira idéia que desencadearia no Qerbero.
Mudamos de formação inúmeras vezes e hoje temos o que considero a melhor, apesar de eu ficar sozinho na guitarra e ter menos liberdade para errar, o que eu sempre fiz de melhor hehehe
Nesse meio tempo, pude fazer parte do Lado Leste Syndicate, que buscava fazer shows em Itaquera com artistas locais e “de fora”, o Maorg, que era essencialmente o coletivo do Massacre, o Prophanos, que era um grupo de poetas cohabeiros, e mais algumas experiências que posso ter esquecido por ter uma memória péssima, o que não exclui a importância que elas tiveram na minha vida.


4-    (Augusto) - Esses primeiros instantes, em que parece que abriram um alçapão pro underground e a gente vai descobrindo um universo a parte, putz... tão pulsante essa parada - aliás, confesso que sinto falta de certa postura mais "pedagógica" em shows por conta justamente da galera nova que vai chegando, saca? Me refiro ao popular "discursinho entre as músicas" (rs). DEZESSETE anos depois da primeira vez em que vi isso, ainda lembro perfeitamente...! 
[poxa, acabei de lembrar de um lance aqui  quando mencionamos isso da garotada que vai chegando, que já estive numa apresentação do Qerbero no meio de madrugada que teve que ser encerrada na metade por conta de um adolescente possuído por demônios (é, é isso mesmo. não é uma figura de linguagem, essa era a parada que ele ia dizendo e espumando e se debatendo...), que na verdade tinha uma mistura explosiva de coisas diluídas em álcool na corrente sanguínea dele, teve que vir ambulância e a coisa toda! HAHAHAHAHA só as coisas boas da vida  <3 ]

Mas vem cá, vamos dar uma olhada pro futuro mais imediato:
Fomos chutados segundo semestre adentro de 2014. O que vocês tem em andamento pra essa segunda metade do ano?

(Lucas) - Essa do capeta no meio do show foi foda. E o pico (Casa Mafalda) teve de mudar de endereço logo depois disso, não por isso, claro. Mas não deixa de ser curioso.
Logo vamos lançar um single, "Homem dos avessos", que está em processo de gravação (enroscado como sempre, mas vai sair). Para o segundo semestre tem de sair o disco, na marra! Os planos são esses. Acho que, quando a gente conseguir dar esse passo, a banda acaba. Brincadeira! Sempre foi tão tortuoso tudo pra banda, que esse mínimo (gravar um disco) vai ser um alívio. A gente está em momento animal, que nunca antes estivemos, precisamos aproveitar e registrar. 

5-    (Augusto) - É, eu mesmo sinto bastante que os parâmetros pra gente que tá em bandas de som arrastado são bem diferentes dos de bandas de som rapidão, e o que pesa muito é que a gente tenta levar nosso ritmo de produção na mesma pegada que essas outras bandas - quanto sofrimento!...
Sobre a "Homem dos Avessos" sou muito suspeito pra falar qualquer coisa, escutei nos ensaios e ainda fiz a ilustra justamente para esse single (segue abaixo) me recordo que tem um contexto literário bem forte e é coisa mesmo de rincões esquecidos no brasil, queria pedir pra discorrerem sobre ela



(Lucas) A letra é baseada no livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Pra quem ainda não leu essa obra: é uma grande monologo do personagem principal Riobaldo (que dialoga com um interlocutor que nunca interfere em sua fala), que discorre sobre sua vida desde a infância no sertão do norte de Minas. É um jagunço que vive uma vida errante em meio à seca, à fome, às guerras contra outros grupos de jagunços. Em meio a este roteiro aparentemente tradicional nos romances brasileiros da época, há no livro uma questão existencial muito forte, com pautas como religião, homossexualidade, gênero, existência e questões sociais, por exemplo. A ideia da letra é tentar sintetizar de certa forma isso tudo. Foi feita pensando no contexto desse personagem: a seca e o esquecimento dessa população nos rincões do sertão, mas sem ter um tom direto de denúncia. Como foi baseada em uma obra literária, eu tentei manter esse tom mais lírico no tratamento dessas questões.  Acho que a questão da seca e da religião ficaram mais evidentes, mas sinto que deixei de colocar o ponto da homossexualidade, por pura  incapacidade de escrita mesmo. Riobaldo se sente atraído por um outro jagunço (Diadorim), que ele conhece desde criança. Isso traz reflexões importantes que é possível imaginar, mesmo pra quem não leu o livro: como um jagunço lida com a atração pelo mesmo sexo. Na realidade, Diadorim, era uma mulher que se vestia de homem desde criança, fato que a possibilita fazer parte do bando de jagunços, o que torna a questão mais interessante ainda. Acabou que deixei de lado o ponto mais importante, mas enfim...
Nas músicas recentes, grande parte das letras é baseada em literatura. Quando não, os temas são tratados de forma mais literária mesmo, sempre foi assim, um exemplo antigo é a música Maquinaria, que sobre uma questão social pesada, os trabalhadores de Bangladesh dos cemitérios de navios, o Felipe fez uma letra ao meu ver extremamente lírica. É importante ressaltar que não há pretensão nenhuma com isso, não temos a intenção de ser artísticos e pedantes com isso, acho que é a forma com a qual conseguimos escrever melhor. Só isso. 
Quanto à arte que você fez, coisa linda! Muito obrigado, mano. Ficamos muito satisfeitos e orgulhosos com o resultado.

6-    (Augusto) - Bom, fica  a dica pra o pessoal dos selos que lerem isso embarcarem nessa com vocês! rs
E sobre  "Maquinaria", foi um dos primeiros papos que tive com vocês, me lembro de ter escutado ela, no Espaço Impróprio, e no dia seguinte chamei o Felipe no bate-papo do e-mail
"...sobre uns caras que tem que destruir navios na mão para pegar parte das ferragens para serem vendidas por uns filhos da puta ricos..." - coisa assim, foi em 2010.

(Augusto)  Uma carona no assunto: E qual tem sido a literatura de cabeceira do Qerbero por esses dias? Têm lido o quê de legal? Eu mesmo, tenho passado tanto tempo com a cara no papel, com as ilustras, que quase não me tem sobrado tempo e espaço - mas fui presenteado com umas edições antigonas do Akira, além da compilação de arte do Akira Club que tem sido a melhor das referências pra mim!

Sobre a letra da Maquinaria:

Foi uma coisa inesperada, eu assisti a uma dessas reportagens de algum canal gringo, num dia qualquer e fui particularmente atingido pela alegria daqueles quebradores em detrimento às condições de trabalho e vida nos acampamentos em que eles ficavam; especialmente no intervalo entre terminar um navio e começar outro.
Era um troço muito paradoxal. Os caras em uma situação de pobreza extrema, doenças, acidentes e mortes por diversos motivos, comemorando que tinha aparecido, lá no horizonte, um navio novo pra eles desmontarem. Era uma festa genuína, porque porra, ruim daquele jeito, pior sem, né?
Os caras trampavam sem ferramenta alguma. Era tudo, literalmente, na mão. No martelo e olhe lá.
Na letra, eu tentei reproduzir esse sentimento de admiração pela megaconstrução, mas ao mesmo tempo, um certo medo daquele gigante de couraça aparentemente indestrutível, mas que era o ganha-pão daquele pessoal.
Por isso digo, sim existe um posicionamento, uma escolha de um ponto de vista de fundo político. Mas a inspiração é indireta, não que seja de propósito, mas é um exercício de aproximação com a experiência (des)humana que o semelhante vive. E que costuma nos abrir os olhos pra não perdermos essa sensibilidade, essa empatia.

Sobre a leituras atuais:

Peguei pra ler o Trópico de Capricórnio do Henry Miller, que ainda não tinha lido e é um cara que me influencia demais na forma de colocar idéias no papel. Idéias fantásticas, muitas vezes completamente distantes da realidade concreta, mas com as quais a gente se identifica. Muita neurose, muita opressão pela cidade, pela condição do capital, essas coisas que a gente que mora em uma cidade grande sofre continuamente e sem massagem.


7-    (Augusto)  Uma carona no assunto: E qual tem sido a literatura de cabeceira do Qerbero por esses dias? Têm lido o quê de legal? Eu mesmo, tenho passado tanto tempo com a cara no papel, com as ilustras, que quase não me tem sobrado tempo e espaço - mas fui presenteado com umas edições antigonas do Akira, além da compilação de arte do Akira Club que tem sido a melhor das referências pra mim!

Sobre a letra da Maquinaria:

Foi uma coisa inesperada, eu assisti a uma dessas reportagens de algum canal gringo, num dia qualquer e fui particularmente atingido pela alegria daqueles quebradores em detrimento às condições de trabalho e vida nos acampamentos em que eles ficavam; especialmente no intervalo entre terminar um navio e começar outro.
Era um troço muito paradoxal. Os caras em uma situação de pobreza extrema, doenças, acidentes e mortes por diversos motivos, comemorando que tinha aparecido, lá no horizonte, um navio novo pra eles desmontarem. Era uma festa genuína, porque porra, ruim daquele jeito, pior sem, né?
Os caras trampavam sem ferramenta alguma. Era tudo, literalmente, na mão. No martelo e olhe lá.
Na letra, eu tentei reproduzir esse sentimento de admiração pela megaconstrução, mas ao mesmo tempo, um certo medo daquele gigante de couraça aparentemente indestrutível, mas que era o ganha-pão daquele pessoal.
Por isso digo, sim existe um posicionamento, uma escolha de um ponto de vista de fundo político. Mas a inspiração é indireta, não que seja de propósito, mas é um exercício de aproximação com a experiência (des)humana que o semelhante vive. E que costuma nos abrir os olhos pra não perdermos essa sensibilidade, essa empatia.

Sobre a leituras atuais:

Peguei pra ler o Trópico de Capricórnio do Henry Miller, que ainda não tinha lido e é um cara que me influencia demais na forma de colocar idéias no papel. Idéias fantásticas, muitas vezes completamente distantes da realidade concreta, mas com as quais a gente se identifica. Muita neurose, muita opressão pela cidade, pela condição do capital, essas coisas que a gente que mora em uma cidade grande sofre continuamente e sem massagem.

8-    (Augusto) - Então, meu...
pegando a rabeira dessa ultima observação ("...Muita neurose, muita opressão pela cidade, pela condição do capital, essas coisas que a gente que mora em uma cidade grande sofre continuamente e sem massagem.") - A coisa toda de junho de 2013 pra cá, o protestos, os enfrentamentos... Bem claro pra mim que foi tudo muito fruto justamente dessa opressão e dessa condição imposta pelo capital que mencionaram. Queria saber o parecer de vocês sobre esse nosso momento de agora, os protestos, bloco negro, a entrada da galera conservadora na coisa toda - e também se conseguem sentir pra onde isso tudo está apontando.

É verdade. Tanto que tínhamos nas ruas pessoas que nunca tinham sequer pensado em ir a uma manifestação antes.
Cara, pra ser sincero acho que tem gente muito mais embasada pra opinar sobre isso que eu.
Mas, em meio a toda herança desses acontecimentos recentes, tendo a ser pessimista. Pelo menos quando levo em consideração o legado que o aparelho repressivo ganhou dos governos estaduais e federal.
Esse arsenal que vai de armadura do robocop até a proclamação de uma ideologia, como vimos no pronunciamento da polícia militar a pouco tempo e no caso do juiz que justificou a manutenção da prisão de manifestantes - sendo que as prisões por si só já ilustram um marco de ilegalidade e violação de incontáveis direitos - com argumentos ideológicos - ignorando ainda que fossem frutos de uma boçalidade vergonhosa - quando ficou claro que todas as escalas do poder público estavam fechadas com a idéia de reprimir inegociavelmente qualquer ato depois da fase do oba-oba.
Fico otimista quando penso no tanto de movimento popular ganhou força e se multiplicou. Além disso, a necessidade inadiável para alguns posicionamentos serem tomados e o debate em meio à parcela da população que nunca tinha pensado em política além das urnas até então. Esses desdobramentos vão ser sentidos por muito tempo e fica difícil pra mim opinar com mais amplitude a partir daqui.
Quanto à táticas tidas como violentas por parte da mídia e do poder, quem sou eu pra discordar ou dar palpite em como alguém da voz aos seus anseios, mesmo que os mais imediatos? Quem sou eu pra deslegitimar a luta dos outros?
Do que pude presenciar, os blocos "vândalos" muito mais serviram pra ajudar outros  manifestantes (inclusive aqueles que vinham falar merda deles nas midias) a escaparem da polícia do que qualquer outra coisa.
Tudo pode ser discutido, mas a gente sabe que não dá pra comprar a do jornal nacional, né?

9-    (Augusto) - "como assim você não confia no jornal nacional????" Ha Ha Ha Ha Ha (brincadeira!) ...
Agora vem cá. Considerem comigo o advento da internet (informação na velocidade da luz, não importando a qualidade, confiabilidade e eficácia dessa informação) dentro desse quadro interessantíssimo que vocês montaram nesse último comentário aí..., 
Qual, vocês da Qerbero, sentem que é o papel de uma banda diante desse panorama?
Claro que não dá pra dizer que é um "dever", e de TODAS AS BANDAS... me refiro a vocês só. Qual seria pra vocês a atitude mais sensata a se tomar com uma ferramenta de geração e comunicação de ideias tipo um conjunto musical - ou podemos considerar isso como algum mecanismo pra simplesmente descansar a mente, escapar um pouco de toda merda em derredor ?

(Lucas) Olha, Guto, sinceramente. eu particularmente não coloco tanta responsabilidade nesse sentido com o que fazemos enquanto banda. Pra mim, o Qerbero serve muito como válvula de escape pra minha vida. É uma coisa meio egoísta mesmo. Se servir da mesma forma para quem nos ouve, é uma grande conquista não planejada, entende? A gente falou muito de literatura nas perguntas anteriores, e da mesma forma que não gosto de literatura "salvacionista", não creio em música com esse propósito. Seria muita pretensão achar que estamos acima de toda merda. Se olharmos o próprio cenário do qual fazemos parte, não escapamos desse pensamento acelerado que você citou na pergunta. É tanta banda, tanto rótulo, tanta proposta, tanta coisa que, no final, sinto que não há nada diferente. Criamos o nosso fluxo frenético de informação, copiando o fluxo fora do nosso meio. É tão cumulativo que não paramos pra pensar, apenas produzimos. Não acho possível acompanhar essa produção toda, eu não tenho pique pra isso. O engraçado é que nós, do Qerbero, várias vezes nos sentimos um pouco frustrados por não participar efetivamente de tudo isso, ou seja, por nossa vagabundagem e problemas outros, não somos tão produtivos assim e acabamos ficando meio à margem. Essa banda é um paradoxo, meu caro. 

(Felipe) - Acho que o Lucas foi na veia, não tem muito o que acrescentar da minha parte.
Talvez só que eu comemoro todos os dias o fato de poder acompanhar artistas e acessar sua produção sem pagar nada, do conforto do meu lar (ou do trampo, hehehe), e que fico muito feliz se a indústria fonográfica quebrar e se as expressões deixarem de ter um caráter de grandeza ou status e todos perceberem que são capazes de agir ativamente com a produção artística/cultural própria e do outro.

10-  Caras, vamos encerrando por aqui?
Seguinte, Obrigado de verdade por todo o assunto, viu... me deu muita coisa pra refletir, e isso não é discursinho de "lugar comum", é a sério mesmo! E também à Resíduos Tóxicos, por me conceder promover minha primeira entrevista... como entrevistador!!! :)
Mas queria muito deixar como última pergunta, um enfoque em gente que esteja chegando agora nesses circuitos alternativos, nesse lance de estar em uma banda ou coisa parecida, ou mesmo para quem nem esteja ligado em nada disso ainda!, mas tem seu interesse nessa atmosfera... 
O que vocês, a Qerbero, tem a dizer ("conselho"[???], "aviso"[???]... ) pra esse pessoal todo?

(Felipe) - Nós somos definitivamente a pior banda do mundo pra dar um conselho para alguém, mano. 
Acho que o que funciona pra gente é gostar muito do que faz, em termos de música e relações entre nós mesmos e os outros. Mas isso é um lance bem mais de transposição do que acreditamos individualmente do que uma proposta racional de organização ou a busca por uma fórmula. 
Sabemos o quanto somos pés-de-breque se nos compararmos com outras bandas que admiramos, de amigos ou não.  
Mas o fato de querer compor, de precisar disso, de buscar um amadurecimento musical e de identidade, de exercitar a permissão de se influenciar pelas coisas mais diversas, faz com que a gente fique junto mesmo com um histórico tão problemático de continuidade. 
E sei lá, pessoalmente tento não enxergar as iniciativas independentes como pertencentes a um cenário específico, até porque - e felizmente - não consigo nos inserir numa identificação pura, um rolê só. 
Tento conviver com as frustrações de ser menos ativo do que gostaria, é verdade, mas todo mundo que passou pelo qerbero sempre teve muitas prioridades, o que não me parece ser muito diferente de todo mundo hehe.
Mas é isso. 
Sempre agradeço honestamente qualquer espaço que nos dão. Em shows, em entrevistas como é o caso aqui, porque sei que quem dá esse tipo de chance é porque se identifica com a gente em algum nível. 
Valeu guto, valeu resíduos tóxicos, e todo mundo que sempre participa da nossa pouco produtiva história de alguma forma hehe
Lucas?
(Lucas) Agradeço a vocês pela entrevista, a primeira que demos em anos de banda! Acho que o Felipe disse bem sobre o tal do conselho. Não tenho muito a acrescentar, com o risco de, se o fizer, desencorajar alguém. Enfim, o lance é pensar sempre no faça você mesmo, se vai dar certo ou não, não importa. Em relação à banda, ainda esse ano sairá material novo, mesmo que um single. Logo daremos sinal de vida.
Obrigado por tudo, Guto, a gente te ama, meu caro.

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